Defunto

Deparei-me com o termo há uns anos. Alguns anos para dizer a verdade. Foi numa noite de bairro alto numa conversa sobre a ex-namorada de uns amigos a quem se referiam como "a defunta". Achei piada ao termo, adoptei-o. A ideia da palavra defunto se bem que macabra (dizem, eu acho muito boa) pressupõe, e obviamente, morte. Morte não no sentido literal, sim no sentido figurado. Um morto não fala, não aparece, não é possível comunicar com ele. Existiu, ficam apenas as boas e as menos boas recordações, que com o passar do tempo atenuam e passam a ser só boas recordações ou apenas recordações que não aquecem nem arrefecem. Atenção nem todos os ex são defuntos! É preciso ter tido um estatuto especial, um papel importante para um dia mais tarde se tornarem defuntos. Casos de semanas, dias ou até uma só noite muito dificilmente terão esse estatuto. Simplesmente porque ou não tiveram importância suficiente, porque deixou de haver interesse em continuar uma comunicação de que tipo fosse e portanto nem nos damos ao trabalho de pensar neles naturalmente ou porque se chegou à conclusão que como amigos e apenas amigos é bem melhor, e aí não há razão para "matar" nínguem.


Não é fácil nos dias de hoje, devido à facilidade que existe em comunicar e mantermo-nos a par do que queremos e não queremos através das redes sociais virtuais e etc etc, transformarmos alguém em defunto. Se fosse fácil não era um defunto era apenas um ex. E aqui surgiu o dilema. É preciso seguir para a frente, os defuntos prendem-nos como que com uma âncora a um passado que não nos leva a lado nenhum. No pior dos casos até sempre. Sem darmos por isso o tempo passou, nós na mesma e eles com a vida feita. Enganadas, pois é possível movimentar-nos um pouco com a corrente, assim que nos queremos deixar ir totalmente a âncora puxa-nos de novo para trás. Tem que se cortar com tudo? Pôr todas as fotografias, cartas, bilhetes numa caixa e escondê-la? Guardar as recordações no baú da memória? Apagar mail e número de telefone? Riscar do Facebook (ou o que for)? Não querer saber se está bem, empregado, de boa saúde ou se quer ir beber uma coca-cola? Apagar da memória o dia de anos? A resposta é sim. Sim, defunto pressupõe zero comunicação. Zero contacto. Zero interesse. 100% de força de vontade e distração.
(depois de uma longa conversa de skype avec ma cousine)

7 comentários:

Anónimo disse...

Bem, se calhar já morri então, pelo menos uma vez. Não, penso que não. Também acho que não matei ninguém.

Está giro o texto!

P V

Shizuka disse...

Também gosto muito do termo "falecida"..."a minha falecida"

Anónimo disse...

E o termo : a minha esposa, é lindo!

E mais posts não?

P V

Carol disse...

cada coisa a seu tempo.. falta-me a inspiração..

Anónimo disse...

Ok, estou à espera :)

P V

Shizuka disse...

falta de inspiração??!! uiii então já somos duas!! há uma festa de arromba para os lados do pessoal que faz casa, e eu aqui metida a ver pombas, e tentar criar qualquer coisa...(aposto que andas por lá)..looool..beijoo

Carol disse...

Andava mesmo! nem sei bem como fui lá parar... quando dei por isso era tarde para te dizer alguma coisa.. ou pelos vistos não! já tá melhor a tua relação com as pombas??
beijinho